Ciclo de Conversas #3 – Descarbonização da construção

26/05/2023

A terceira sessão do “Ciclo de Conversas – Rumo à Neutralidade Carbónica 2030”, organizada pela CM Porto, teve como tema a “Descarbonização da construção”. O evento decorreu no Porto Innovation Hub.

O “Ciclo de Conversas – Rumo à Neutralidade Carbónica 2030” é uma iniciativa organizada pela Câmara Municipal do Porto, que conta com 10 sessões de esclarecimento e debate relacionadas com os temas da sustentabilidade, descarbonização e transição climática no contexto da neutralidade carbónica das cidades. A terceira sessão aconteceu na passada quinta-feira, dia 18 de maio, no Porto Innovation Hub e teve como tema a “Descarbonização da construção”.

Bento Aires, Presidente da Ordem dos Engenheiros da Região Norte, foi o moderador do evento, que contou com a presença de Francisco Rocha Antunes, Diretor de Desenvolvimento da + urbano; José Gomes Mendes, Diretor Executivo da Fundação Casais; e Humberto Varum, Professor Catedrático da FEUP.

Cada um dos oradores teve direito a uma intervenção, seguida de um espaço de debate e de esclarecimento com o público presente.

A sessão contou com a abertura do Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto, Filipe Araújo, que destacou as mudanças que estão a acontecer no ramo da construção e a forma como as empresas portuguesas estão a olhar para o futuro: “Falamos muito em mudanças de paradigma, mas quando falamos no futuro da construção, creio que vamos mesmo a assistir a um salto gigante. É muito bom perceber como é que as empresas portuguesas estão a olhar para este futuro e, espero eu, que este futuro esteja muito ligado ao desenvolvimento do Porto”, disse Filipe Araújo.

“A construção está numa fase de mudança. Quase 40% das emissões de carbono estão ligadas à construção, que está a passar por um processo de maturação para dar resposta a isto”, começou por dizer Bento Aires, introduzindo a temática do evento.

A falta de financiamento como travão das emissões

Francisco Rocha Antunes, Diretor de Desenvolvimento da + urbano, trouxe à discussão o desafio da falta de financiamento, que será uma realidade para a construção mais poluente de edifícios: “Até Janeiro de 2026, todos os projetos imobiliários que não estejam alinhados com os objetivos de desenvolvimento sustentável deixam de ter financiamento bancário. Podem ser feitos, mas não têm financiamento”.

O responsável da + urbano explicou que esta decisão decorre da decisão do Banco Central Europeu (BCE) em alinhar os seus objetivos de descarbonização e de desenvolvimento sustentável com as regras de financiamento da União Europeia. Francisco Rocha Antunes referiu que este alinhamento é fundamental para impulsionar a descarbonização do setor imobiliário, acrescentando que a indústria da construção é, seguramente, a indústria mais conservadora do Planeta.

“Há, neste momento, setores da economia que já não têm acesso a crédito bancário, não podem fazer um contrato de renting ou leasing, nada. Isto porque são aquilo a que se chama “setores castanhos” da economia, ou seja, são os setores mais ligados à comercialização de combustíveis fósseis. E, a seguir aos castanhos, vem o setor cinzento, no qual entra a construção“, continuou.

Nesse sentido, o diretor de Desenvolvimento da + urbano destacou a importância de se ir substituindo os materiais de construção com mais emissões de CO2. “O betão e o aço só podem servir para aquilo que não dá para ser feito de outra forma. Tudo o resto tem de ser feito de outra maneira. Nós estamos muito longe disso e temos de ser rápidos porque o calendário está contra nós. Temos, todos nós, profissionais desta indústria, de ter abertura para a mudança“, disse.

Promoção da circularidade na construção

Por sua vez, José Gomes Mendes, Diretor Executivo da Fundação Casais, concentrou a sua intervenção na promoção da circularidade no setor da construção. O responsável da Fundação Casais destacou a importância de reintroduzir recursos na economia, reduzindo o custo financeiro e ambiental da deposição de resíduos e da constante extração de materiais.

“A extração, além de delapidar o património cultural, também é muito custosa para o ambiente. Toda a gente pensa que o processo de combustão gera muito CO2, e é verdade, mas ninguém pensa no dano ambiental e emissões de CO2 no processo de extração“, alertou.

José Gomes Mendes explicou, por isso, que “reduzir a quantidade de materiais utilizados e prolongar a vida útil dos edifícios” é extremamente necessário para promover a circularidade. Além disso, o diretor da Fundação Casais também mencionou a longevidade dos edifícios como um objetivo que deveria estar na mente de todos os intervenientes da indústria da construção, bem como a preocupação em construir edifícios de baixo carbono.

“Como posso ter um edifício com zero emissões? Os materiais de elevada intensidade carbónica estão de fora, mas os materiais de baixa intensidade carbónica têm que estar lá porque não é possível ter só materiais descarbonizados. Então como é que isto se consegue? Através da compensação desses materiais. Tenho que colocar lá materiais que eles próprios sequestraram carbono antes de entrar no edifício. Eles já levam crédito, têm emissões negativas, como é o exemplo da madeira”, explicou.

Para o diretor da Fundação Casais, a mudança terá de passar pelos quatro setores “que fazem mexer o ponteiro”, nomeadamente o setor da alimentação, os processos de manufatura, o ambiente da construção e a mobilidade e transportes. “É preciso atuar nos setores que têm maior impacto. Mudar os nichos é bom, mas não fará a diferença necessária para aquilo que é a urgência do problema”, garantiu.

O peso da construção e dos transportes nas emissões do Porto

Na última intervenção do evento, Humberto Varum, Professor Catedrático da FEUP, abordou a importância de analisar as emissões provenientes da construção e dos transportes na cidade do Porto.

O professor da FEUP ressalvou ainda que, ao discutir a descarbonização no setor da construção, é fundamental considerar não apenas os edifícios, mas também as pessoas envolvidas, nomeadamente os utilizadores finais, os agentes imobiliários, as pessoas ligadas à própria construção e ao projeto. Humberto Varum enfatizou a necessidade de haver um trabalho conjunto para se reduzir as emissões e alcançar a neutralidade carbónica.

Foram elogiadas a preocupação e dinâmica que município do Porto tem tido em antecipar os objetivos da Comissão Europeia. E para tal se tornar realidade, o professor alertou para a necessidade de maiores avanços não só no setor da construção, mas também nos transportes. “Os ativos municipais geram 6% de GEE de toda a cidade do Porto. Dentro das emissões totais da cidade, os edifícios residenciais e comerciais geram 50% da totalidade e os transportes geram 40%. Estes são, de facto, os dois grandes vetores que temos de atacar.”

As melhorias na eficiência de redes de transporte, o investimento em sistemas fotovoltaicos residenciais, em edifícios multifamiliares e infraestruturas; a aposta em materiais naturais, particularmente a madeira; a aquisição de certificados de sustentabilidade; o estabelecimento de relações entre os intervenientes da construção e universidades; e, ainda, o investimento na reabilitação, foram algumas das soluções apresentadas pelo professor para fazer face a este desafio.

Assista aqui à Sessão: